skip to main | skip to sidebar

EU, ELDER F.


Livros, filmes, fotografias e histórias contadas pela metade.

Resenha: 'Amor Líquido' - Zygmunt Bauman

Na literatura, a existência de categorias sempre auxiliou na classificação das obras literárias de acordo com a sua composição. O gênero narrativo ou o gênero dramático, por exemplo, são nada mais que conjuntos maiores de outros sub-gêneros conhecidos (como o romance, a fábula, a crônica ou ensaios) que dividem as obras e as classificam. Hoje, além dos gêneros conhecidos das aulas de literatura, despontam outros gêneros que vivem na sombra dos best-sellers, como o Chick-Lit, gênero literário direcionado para as mulheres, ou o Sick-Lit, que referencia livros que abordam doenças como depressão, anorexia, câncer, etc.

No embalo da criação dos rótulos literários, acabei criando minhas próprias classificações  (é bem possível que muitos já tenham pensado nelas, mas com nomes diferentes): os (1) gigantes amenos e os (2) nanicos intensos. Não entendeu? Eu explico. Os gigantes amenos são nada mais que grandes livros (leia-se quantidades exacerbadas de páginas) que podem sem problema algum serem lidos do dia para noite porque são leves, suaves e de fácil digestão (não que isso implique na qualidade da obra). Em outras palavras, os gigantes amenos são aqueles livros em que a gente se joga e fecha os olhos sem saber exatamente o destino, apenas embarcamos na viagem. Por outro lado, os pequenos nanicos são livros finíssimos, porém tão densos, que ler de uma sentada é quase um insulto à obra. E Amor Líquido, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, é exatamente esse tipo de livro.

Zygmunt Bauman é um dos intelectuais mais respeitados da atualidade e, aos seus 87 anos, já escreveu mais de cinquenta livros. As suas obras literárias chegaram ao Brasil e se tornaram célebres pela relativa simplicidade com que Bauman descreve o que ele chama de "modernidade líquida". É desta maneira que ele se refere ao momento histórico no qual estamos inseridos: os tempos são líquidos pois tudo muda de maneira acelerada. Nada na modernidade em que estamos é feito para durar, para ser sólido, incluindo aí a instabilidade dos relacionamentos amorosos. O amor de hoje é nada além de "líquido".

"Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar."

De acordo com Bauman, a proximidade virtual tão presente na atualidade reduz a pressão que o contato real tem por hábito exercer. Segundo o autor, a proximidade virtual e a não virtual trocaram de lugar: agora a proximidade virtual é que se tornou a nossa realidade. O autor destaca o fato de que é comum ouvirmos pessoas conversando no celular, em um ônibus, por exemplo, e imaginarmos que elas não veem a hora de encontrar a pessoa com que estão falando para que possam botar o papo em dia. No entanto, não percebemos que a conversa por celular que ouvimos ao invés de ser uma abertura para um possível bate-papo pessoalmente, já é a substituta desse contato real. 

É surpreendente como o autor constrói as suas hipóteses em cima de estudos  de outros filósofos e sociológicos importantes. Em determinado momento do texto, Bauman comenta sobre como os lares deixaram de ser "ilhas de intimidade em meio aos mares" para se transformarem em playgrounds. Nós entramos em nossas casas e fechamos as portas, e então entramos em nossos quartos e fechamos as portas. Se antes os membros de uma família estavam mais conectados de forma concreta e socializavam diretamente uns com os outros, hoje a casa se transformou em um centro de lazer em que os membros da família vivem separados em seus mundos (quarto, computador, tablet) ainda que estejam lado a lado.

Outro ponto alto do livro é quando o autor compara o consumismo com o "amor" dos tempos modernos e as pessoas como os bens de consumo. De acordo com o autor, os filhos (por exemplo), estão entre as aquisições mais caras que um consumidor médio pode fazer ao longo de toda a sua vida. Em termos monetários, eles custam mais do que um carro luxuoso. Bauman destaca, porém, que qualquer aquisição feita por um consumidor envolve riscos e que alguns vendedores oferecem amplas garantias como devolução de dinheiro caso o produto não funcione como esperado. Entretanto, nenhuma dessas garantias é oferecida no parto. Outra comparação curiosa é quando o autor transforma o parceiro(a) da relação em uma mercadoria:

Em geral, a capacidade de utilização de um bem sobrevive à sua utilidade para o consumidor. Mas, usada repetidamente, a mercadoria adquirida impede a busca por variedade, e a cada uso a aparência de novidade vai se desvanecendo e se apagando. Pobres daqueles que, em razão da escassez de recursos, são condenados a continuar usando bens que não mais contêm a promessa de sensações novas e inéditas. Tais pessoas são os excluídos na sociedade de consumo, os consumidores falhos, os inadequados e os incompetentes, os fracassados — famintos definhando em meio à opulência do banquete consumista.

Dediquei mais de um mês para a leitura desse livro e não me arrependo de ter dedicado tantas fatias de tempo para ler e outras tantas para pensar. Embora denso em algumas partes (ainda mais pra mim que de sociologia e filosofia sei apenas o que me ensinaram no ensino médio), o livro consegue transmitir a mensagem principal de estreitamento dos laços humanos na modernidade líquida e de como os nossos laços se adaptaram a realidade capitalista. O sociólogo é quase um profeta com suas divagações sobre o mundo moderno (e durante a leitura concordei com todas as profecias deste esperto senhor). Daí, agora, sempre que vejo esses casais na Internet se amando hoje e brigando amanhã, na outra semana mudando o status para casado e depois terminando relacionamento, penso logo: amor líquido. Mas não querendo deixar o post tão grande, finalizo a resenha deixando abaixo um trecho de uma entrevista realizada com Bauman em 2010.

ISTOÉ: O que o sr. diria ao jovens?
Zygmunt Bauman: Eu desejo que os jovens percebam razoavelmente cedo que há tanto significado na vida quando eles conseguem adicionar isso a ela através de esforço e dedicação. Que a árdua tarefa de compor uma vida não pode ser reduzida a adicionar episódios agradáveis. A vida é maior que a soma de seus momentos.

Título: Amor Líquido - Sobre a fragilidade dos laços humanos

Título Original: Liquid love: on the frailty of human bonds

Autor: Zygmunt Bauman

Editora: Zahar

Ano: 2004

Páginas: 190



19 comentários:


  1. Curti sua resenha, e o começo, quando você falou sobre os gêneros, está super bem estruturada.
    Mas eu não sei se leria o livro, por se tratar de algo tão pensante, rs, não me ache sem cultura, por favor.
    Abç
    Atualizado. Comenta lá > http://descobrindolivros.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  2. Adoro essas análises sociais que vemos por aí, e esse livro parece ser um prato cheio. Achei esse tema interessantíssimo, e a resenha está ótima, acho que entra pro top 10 das melhores, haha. Pela enésima vez, parabéns pela resenha.

    ResponderExcluir
  3. Ótima resenha! Concordo com o comentário do Lucas, não sei se leria o livro por ser algo que esforce muito o cérebro. Rsrsrsrs'
    Mais uma vez, ótima resenha.
    Abraço
    Gabriel -Blog Corações de Neve

    ResponderExcluir
  4. Forte isso: 'agora a proximidade virtual é que se tornou a nossa realidade', mas não é preciso pensar muito pra perceber a realidade nisso.
    Excelente resenha.

    Beijos
    Leituras da Paty

    ResponderExcluir
  5. Oio Elder, tudo bom?
    Realmente existem livros que são pequenos, mas que a capacidade intelectual que ele carrega vale mais do que muito livro tijolo por aí né?
    Gosto muito de sociologia, mesmo nao sendo estudiosa, e adoro refletir sobre a nossa sociedade.
    Tudo que o Zygmunt conseguiu compactar em uma frase: "vivemos tempos líquidos" é a expressão mais pura da descartabilidade de hoje em dia. Eric Hobsbawn já citava isso, talvez eles tenham ligação, não sei...
    Gostei muito desse livro, vou adicionar no meu skoob para não esquecê-lo, até poder comprar :)

    Beijão
    endless-poem.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  6. Nunca tinha ouvido falar desse livro.
    E pelo que li da sua resenha, deve ser bem interessante.
    Eu leria com certeza =)
    Beijos
    http://souseuastral.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  7. Não conhecia o livro, mas me interessei. Adorei a capa! ;)
    Ah, tô seguindo você!

    Um beijo, Karine Braschi.
    http://geekdebatom.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  8. Não conhecia o livro, parece bom, mas mesmo não entrando pra minha lista de desejados, eu leria.

    http://iasmincruz.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  9. Nossa, que resenha esplêndida! Amei suas próprias classificações.
    Esse livro me parece bom, deve realmente proporcionar boas reflexões, mas não quero reservar tanto tempo para ler um livro assim, pelo menos por enquanto.
    Beijos,

    Letícia
    www.odomdaescrita.blogspot.com

    ResponderExcluir
  10. Olá Elder, conheço esse livro, cheguei a pesquisar sobre ele para fazer um trabalho da faculdade, que inclusive um grupo da minha cadeira apresentou sobre este tema "amor líquido" e foi um dos temas mais interessantes que achei, fiquei com muita vontade de ler o livro por que certamente vale muito a pena, tinha tudo haver com o conteúdo que nós estávamos trabalhando em sala, a verdade é que as pessoas estão ficando cada vez mais alienadas consequentemente fazendo com que essas relações fiquem cada vez mais frágeis e sem estrutura. sua resenha ficou ótima!

    beijos,
    strawberrydelivrosefilmes.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  11. Olá Elder, Tudo Bem?

    Acabei de ler o seu comentário no meu blog - agradeço por isso. E adorei o seu blog.

    Sobre a resenha, achei fantástica, fiquei muito desejar ele.

    Beijos.

    alolatemumblog.blogspot.com

    ResponderExcluir
  12. Eu gosto bastante de ler e o bom de ter um blog é que sempre acabo encontrado mais um e mais um... Que sempre tem dicas de livros legais que eu não conhecia ;)

    Ótima resenha

    ResponderExcluir
  13. Oiie, adorei a resenha e fiquei super curiosa para ler !! Não conhecia esse livro e claro vou adicionar em minha lista de desejados !!
    Beijos
    Raíssa Lis
    Flor de Lis - http://florderaissalis.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  14. Se fosse olhar pela capa eu não leria.. mas pela resenha, fiquei super interessada. Não curto muito o tema, vou ser sincera, mas acho que a ideia em si deve valer a pena pra fazer a gente refletir.. sei lá rsrsrs

    Bjos e parabens pela nova parceria! *-*
    Flavia - Livros e Chocolate

    ResponderExcluir
  15. Olá. Tenho curiosidade em ler algo do Bauman: já recebi indicação dos livros do meu professor de filosofia na faculdade, mas ainda não tive oportunidade de ler. Parece que esse autor levanta reflexões muito interessantes sobre a nossa sociedade e sua resenha me deixou com mais vontade de conferir o livro.

    Abraços,
    Niki,
    http://www.meigaemalefica.blogspot.com.br

    ResponderExcluir
  16. Ola,
    Tudo? Venho agradecer a visita ao meu blog não tinha ouvido falar desse livro ainda pareceu interessante apesar de não ser do genero de livros que eu gosto de ler. Agora fiquei pensando sobre a frase que os filhos são os maiores investimentos que se faz.
    Bjsss
    Raquel Machado
    Leitura Kriativa
    http://leiturakriativa.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  17. A vida é maior que a soma de seus momentos.
    Adorei Elder!

    ResponderExcluir
  18. Ameeeeei a sua resenha! OMG!
    Fiquei louca para ler este livro. Sinta-se responsável!!
    Adorei o seu blog.
    Estou seguindo.

    Abraço.

    http://vivianpitanca.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  19. Excelente resenha :) Já me indicaram esse livro e estou começando a ler e penso que seria interessantíssimo todas as pessoas dedicarem um tempo pra ler obras tão fantásticas como do Zygmunt Bauman pra ver se dispertam o lado crítico e façam uma auto reflexão pra se tornarem pessoas melhores tanto pra si mesmas como para seus parceiros, familiares e amigos.
    Abraços.

    ResponderExcluir