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EU, ELDER F.


Livros, filmes, fotografias e histórias contadas pela metade.

Vida de Bagagem - Conto


Alguém chegara pelas redondezas. Individuo simples e mais erudito dos que comumente surgem. Conversava de livros, literatura, poesias, até falar mais bonito, falava. Isso interesa na hora, no instante, só para que todos entrem no ritmo e que saibam manipular seus individualismos com mais facilidade, fora esses detalhes: o restante é dinheiro. Conversam mais um pouco, coisa de rotina, encontrar afinidades, desejos, nojo e alguns arrependimentos. Acertos de pagamento e já está tudo finalizado, vem mais o agir do que falares quase memorizados, agora.
Saem, estão a procura de lugares fechados, algo mais particular, propriedade privada. Os espaços públicos de algo deveriam servir, já que de nada serviam. E por ali iniciam o ritual, vozes baixas, personalidades mudadas, mais monstro que homem e uma sensação de inquietude na rua pouco movimentada, inquietude mais própria do homem do que de toda a rua, coisa de casal. Terminam esses amores que surgem das necessidades, finalizam alguns esforços, mais dela do que propriamente dele, e separam-se.


Nome mesmo a menina não têm, chamam-na de Babaloo, e nem documentos que lhe provem a existência. Sabe existir por que por que é pegável, tátil, sentida. Era gente e isso ninguém lhe negue, sendo gente de verdade não precisa documentos que dizem lhe provar aexistência. “Gente , carne, sangue e um pouco de história. Não me importa tanto papel e tão pouca identificação.”
Começou vida corrida cedo, já nasceu na sujeira, no inferno que é isso, viu o caos ainda criança e aderiu-se a esse estado, pregou-se e vivem juntos, juntos e em guerras. Viu de tudo que adulto hoje pouco vê. Saiu de casa, um dia como outro, disposta a mudar de lar, fazer conhecidos, umas colegas. Estava satisfeita: encontrara uma profissão. Daí então nunca mais voltara para sua família de projetos.
Inicio tudo é bem difícil, são sempre novas adaptações, novos meios. Coisas sérias para quem não sabe a definição de seriedade. Conheceu primeiro Margarida, outra com história quase parecida. Essa tinha experiência, tinha um diário na memória, e se morresse tinha algo que até poderia se chamar de vida longa, vida corrida e, bem ou mal, vivida. Arranjou-se espaço para dormir, nada que já não lhe fosse de direito, na rua tudo é de todos, mesmo que na prática não seja. Dormiu até mau no primeiro dia, no segundo venceu as luxuosidade que trazia na fala e desde então a rua já era tão confortável quanto à casa que antes tinha.
Já a profissão, era coisa que se fazia normalmente, nada de agressivo, sistemático às vezes, mas nada que lhe roubasse a virtude. De tudo, o essencial era a amizade, dinheiro também, mas menos que a amizade. Quando era dia de sorte conseguia vinte reais, dias nem tão sortudos ficava por depender das amigas. Tudo ainda era ingenuidade nesse mundo, mesmo que conhecimentos mudem de pessoas para pessoas, passando-se por mãos de tantas. Nessas insuportáveis mãos, tato que provoca ânsia.


Chega novamente alguém, sujo, doente talvez. Adjetivando-se seres que lhe apareciam, esperava-se adjetivos baixos, pequenos, desmerecedores para um convicto merecedor dos mesmos. Babaloo tem educação, foi bem criada por si e sabe diferenciar, mas também sabe respeitar diferenças.

Conversam, tentam engatinhar. É xadrez, rainha branca no sua casa a esperam a espreita, esperando o mover. Defende, ataca, morre, tudo acaba. E quando se pode ressuscitar, ressuscitam-na. Tentando impor o xeque, de sem vontade que já estava, fazia crescer as ofertas. Reis até querem rainhas acessíveis, humildes, piedosas, mas o preço aumenta: xeque-mate. A garota não quer e ninguém tente lhe obrigar, não queria e ponto. O corpo sendo seu bastava sofisticação e manipulação de alguns preços. Finalizam a conversa corrida e cheia de acertos, hoje era um dia de falta de sorte, nada por nada e no final não custa nada mesmo, ficasse assim que não se importava.

Meninas precisam de conversas, de carinho, de amor. E que palavra tão avessa da realidade, tão distante do mundo que conhecia então. E conhecia coisas mesmo, histórias que ouvia. Ainda tenho tempo, nada custa contar uma aqui. Fernanda, a única de nome próprio e pensamentos seus. Havia recebido, tempos atrás, uma grande oferta, dessas que aparecem como tufão, aparecem e embaralham a cabeça. O cavalheiro que saíra nesses tempos apresentou a tal proposta. Eram novidades, assunto de exterior, bem distantes, dizia tudo para convencer, contando fatos, encantando, tudo que uma infantil, fosse mente ou corpo, mulher deseja. Tão ludibriada ficou com as palavras e com “os encantos, as belezas, naturezas diversas, vida desejável e de fantasias a cada minuto, um mundo novo e desconhecido a espera de tão lindos olhos de princesa.” Nandinha, como as outras chamavam-na, se entregou aos falares felicitados. Onde estavam, Nanda e o dito contratante, fizeram logo o que muito, teoricamente, fariam no futuro, esse tempo que vem sem nome, sem rumo, sem preparação. Terminaram e logo foi marcado um dia. Fernanda excitada com as novidades esperou louca, se sentido amada, ternuras, flores, coisas de namorada, perfume, lojas, corações, doces, poesias, sorrisos, palavras no ouvido, músicas, alegria, desejos e ainda hoje espera o dia que virão buscá-la. A vida havia voltado ao normal.

Então que algo marcou a vida das crianças. Fernanda, a mesma Nandinha que de nada em nada se chamava Nanda também, sentiu coisas estranhas. Muita tosse, muita febre, era pneumonia, pensaram. Mas tudo tava tão estranho, a menina sarou. A face corada já se apresentava, viva, lasciva, rubra como só sabia e outro mal lhe abateu. Nem sabiam mais do que se tratava, resolveram, depois de acordos, conversas, tosses e tosses, brigas e tagarelices, levá-la ao médico, hospital, posto de saúde, qualquer lugar que lhe ajudassem, abrigo lhe dessem, e não foi bem assim. Ainda muito correram até conseguir lugar que lhe atendessem. Decidiram desistir, mas outra febre possuía seu corpo. Dormiram por ali, uma perto da outra.

Foi por estes espaços que surgiu ajuda, uma mão, cheia de interesses. Comprou-se algumas vestes e carinhosamente se entregou as menina. Logo perceberam as malícias do altruísmo suspeito e deram-se por compreendidas.

Consultada, exames, perguntas, olhares tortos e falta contato -e como se caráter fosse transmissível pelo ar, no caso se fosse: vida de mundo, mas vida de mente aberta.
A notícia não foi das boas, foi mais um baque que notícia ou notícia que bate, o relevante a se dizer é que doeu. Era HIV, e isso era coisa de se preocupar, foram tempos difíceis, outras histórias felizes para conter os ânimos, os choros, os palavrões. Às vezes histórias até inventadas. E descobriu-se por sorte a nova doença, talvez azar nesse caso, ainda são termos a se definir. A doença nem se manifestara, foi com uma no corpo, voltou com outra sem saber que tinha, foi tudo surpresa. Foram estranhezas em exames daqui, outros exames para confirmações ali, e no final foi esse tão longo soco no estômago.
Nada é fácil, recomeço, fim de ciclo, renascer, vida nova. Mas como sair de uma estado tão banalizadao como deixara o seu se tornar, e agora então que morria, fenecia para o mundo, para o seu mundo de aventuras, adornos sexuais. “Não vai ser fácil, se ainda pudesse mudar as coisas, voltar só um pouco no tempo...". Mas nada se muda, melhora, se tenta, consegue às vezes, mas o cerne prevalecerá.
E foi aprendendo a lidar com essas faltas, essas lacunas no organismo, esses outros fatores. Estava no inferno, que se queimasse então, labareda em seu corpo e faíscas no corpo dos outros. Era o que lhe sobrava, apenas gozar do pouco de vida que achava ainda viver. Margarida, Nanda e Babaloo, todas cheias dessa vida, vida de merda, mas sendo vida, o resto é resto. Quem brinca com fogo um dia acaba se queimando. Quem brinca com que se queima também termina queimado e finaliza queimando outros corpos nus.


6 comentários:


  1. se pá que eu li e nem senti.
    definitivamente, eu pago (hihih) pros teus textos.
    tá massa caran

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  2. Uma pessoa guarda muitas histórias...
    e a maioria das vezes passamos direto por elas, nas esquinas, nas praças, dentro de casa.
    Mto, mto bom, rapaz.

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  3. sabes q eu nunca sei o q comentar =p
    mas também sabes q eu adoro o q tu escreves =)

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  4. oiiiiiiiiiiii....vim agradecer tua visita e por ter linkado..muito simpático!!
    Eu gostei do visual...mas vou vir com calma e ler teus textos...vários..rs.

    vim só agradecer mesmo. =)

    bjinhos.

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  5. Elder, me desculpa pelo calote de 24 hrs..rs

    Cara, não sei se esse teu post tem alguma semelhança com a veedade [algo que ocorreu contigo], mas isso me remete à inúmeros acontecimentos da minha vida, mas não houve uma linguagem tão difícil e rebuscada quanto a esse..rsrs

    Apesar de não poder formar uma exata opinião sobre o que li, pois creio que há inúmeras interpretações, posso dizer que tu é um escritor de mão cheia.
    Me sinto um NADA perto da tua criatividade.


    Abraços.

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