Um dia antes de começar esse livro eu estava pela livraria buscando uma nova aventura e me dei conta de o quanto eu andava necessitado de uma leitura que me desse um soco no estômago ou que me sacudisse de cabeça para baixo. Em outras palavras, não queria mais um passa-tempo e sim um livro que ao final de tudo me proporcionasse um estado de reflexão. Necessitava de um desses textos que terminam no livro, mas continuam no leitor. Era tão grande a minha urgência que até cheguei a consultar a estante dos livros de filosofia, mas não encontrei nada que me despertasse imediato interesse. Não conseguindo nada atraente pelas estantes da livraria, decidi olhar para a minha própria estante e escolher qual dos livros enfileirados não-lidos seria o meu próximo destino.
É comum que a maioria dos leitores de livros de ficção leiam quase que exclusivamente pelo puro entretenimento. Existe um incontável número de pessoas que ao invés de guiarem os seus caminhos pelo entendimento e pela percepção do real na fantasia, percorrem apenas os passos da decodificação de palavras. Essas pessoas costumam, ao final de uma leitura, conquistar apenas mais um livro lido, algum outro recorde de tempo de leitura, mas pouca ponderação sobre a história, às vezes quase nenhuma compreensão imediata sobre o que ocorreu na narrativa. Mesmo que o entretenimento seja o destino imediato da literatura, não se pode esquecer do convite à reflexão, o outro destino imprescindível das viagens literárias.
Mas, embora a necessidade de uma leitura que me convidasse à reflexão, acabei decidindo por me aventurar em A Vida de Pi, quase convencido, a julgar pela capa com traços infantis, que a história não passaria de um agradável entretenimento. Dessa forma, deixei-me conduzir pelas palavras do Yann Martel, que abusou da minha confiança na sua história e me seduziu com a sua narrativa inteligente. "Uma história que fará você acreditar em Deus", consta logo nas primeiras páginas do livro. Posso dizer, porém, que se você acredita em Deus, continuará acreditando, mas se não acredita, a descrença persistirá. O fato é que o autor presenteia a consciência do leitor com liberdade e gargalhadas para em seguida prendê-la no tronco da desolação e açoitá-la com duras realidades.
O narrador da história é um garoto indiano de 16 anos chamado Piscine Molitor Patel, mais conhecido como Pi. Ele, que nasceu hindu, conhece com o tempo a história de Jesus Cristo e entra em contato com o Deus cristão, permitindo-se, à sua maneira, amar os deuses de ambas as religiões. No entanto, a Índia também possui uma maioria muçulmana e não tarda até que Pi conheça as palavras do profeta Maomé e se sinta inclinado a abrir um espaço no coração para o Deus Allah. O sincretismo religioso do coração de Pi presenteia a história com diálogos inteligentes e engraçados sobre religião, as faces de Deus e a razão no meio disso tudo.
Mas, embora a necessidade de uma leitura que me convidasse à reflexão, acabei decidindo por me aventurar em A Vida de Pi, quase convencido, a julgar pela capa com traços infantis, que a história não passaria de um agradável entretenimento. Dessa forma, deixei-me conduzir pelas palavras do Yann Martel, que abusou da minha confiança na sua história e me seduziu com a sua narrativa inteligente. "Uma história que fará você acreditar em Deus", consta logo nas primeiras páginas do livro. Posso dizer, porém, que se você acredita em Deus, continuará acreditando, mas se não acredita, a descrença persistirá. O fato é que o autor presenteia a consciência do leitor com liberdade e gargalhadas para em seguida prendê-la no tronco da desolação e açoitá-la com duras realidades.
O narrador da história é um garoto indiano de 16 anos chamado Piscine Molitor Patel, mais conhecido como Pi. Ele, que nasceu hindu, conhece com o tempo a história de Jesus Cristo e entra em contato com o Deus cristão, permitindo-se, à sua maneira, amar os deuses de ambas as religiões. No entanto, a Índia também possui uma maioria muçulmana e não tarda até que Pi conheça as palavras do profeta Maomé e se sinta inclinado a abrir um espaço no coração para o Deus Allah. O sincretismo religioso do coração de Pi presenteia a história com diálogos inteligentes e engraçados sobre religião, as faces de Deus e a razão no meio disso tudo.
- Sr. Patel, a devoção de Piscine é admirável. Mas ele não pode ser hindu, cristão e muçulmano. É impossível. Ele precisa escolher.
- Não acho que isso seja um crime, mas suponho que o senhor tenha razão - observou meu pai.
A minha mãe olhou para mim. Um silêncio caiu sobre os meus ombros, pesado.
- Hmmm, Piscine - disse ela, me cutucando. - Como se sente a respeito?
- Eu só quero amar a Deus - retruquei, meio sem pensar, e baixei os olhos, com o rosto inteiramente vermelho.
Na Índia, a família de Pi administra um zoológico e por isso o dia-a-dia do garoto é marcado pela companhia de diferentes espécies de animais. No entanto, devido à instabilidade política no país, a família dele é obrigada pela necessidade a abandonar a Índia e se mudar para o Canadá, pegando carona em um cargueiro que se encarregará de transportar os animais do zoológico para os EUA. Mas o navio, lamentavelmente, afunda logo nos primeiros dias de viagem e Pi se salva indo parar em um bote salva-vidas com uma zebra moribunda, uma hiena, um orangotango e um tigre-de-bengala. É a partir desse momento que se inicia a maior provação de sua vida, onde, ao mesmo tempo, ele precisa lidar com a perda dos ente-queridos, com o perigo de ser devorado pelo tigre e com as suas próprias necessidades naturais.
Quando a nossa própria vida está ameaçada, o nosso senso de empatia é ofuscado por uma terrível e egoísta fome de sobrevivência.
Perder um irmão é perder alguém com quem se pode compartilhar a experiência de crescer; alguém que pode teoricamente lhe dar uma cunhada e sobrinhos, criaturas que vão povoar a árvore da sua vida e lhe dar novos ramos. Perder o pai é perder aquele cuja orientação e cuja ajuda procuramos; aquele que nos apoia como o tronco apoia os ramos. Perder a mãe, bom, e como perder o sol acima de nós, é como perder - desculpem, prefiro parar por aqui.
É travada, no bote, uma luta cruel pela vida entre os cinco mamíferos. O ciclo predatório acontece em um espaço de poucos metros quadrados. É uma luta pela vida, mas, acima de tudo, é uma luta pela motivação de viver quando todo o resto se foi. O sol, o enjoo, as ondas, a chuva e os tubarões pertencem a um dia-a-dia de constante esperança, de constante crença no destino e na certeza de que tudo ficará melhor. Os dias melhores, no entanto, se convertem em queimaduras pela pele e a garganta seca que regurgita por ajuda, tanto humana quanto de Deus, também implora por água.
O Cristo na cruz morreu sufocado, mas a única coisa de que Ele se queixou foi de sede. Se a sede pode ser tão insuportável a ponto de o próprio Deus encarnado se queixar dela, imagine o efeito que exerce sobre um ser humano comum.
Não teria palavras para descrever o livro senão fabuloso. O escritor, além de uma aula sobre religião, dá ao leitor uma aula de zoologia, descrevendo habitats e comportamentos que dão a história uma naturalidade apurada. No mesmo passo que ensina, também desperta algumas reflexões. O livro termina sem levantar bandeiras, sem ser devoto ou tendencioso. Se por um lado o autor frisa a necessidade de amar a Deus independente de religião, por outro ele sugere que a crença em Deus é nada mais que uma escolha entre uma ilusão que conforta a uma verdade que machuca.
No final das contas, era exatamente esse o tipo de livro que eu andava precisando ler. Desde a traição ou não da Capitu em Dom Casmurro que eu não ficava matutando tanto tempo em um mesmo assunto e obtendo diferentes interpretações. O filme baseado na obra, porém, suavizou os impactos e a violência presentes na história. Se o livro dá um soco no estômago do leitor, o filme faz um cafuné gostoso na nuca do telespectador e o presenteia com maravilhosas imagens. Mas é exatamente pelo soco no estômago que o livro nos dá que ele deveria ser considerado um leitura obrigatória. Portanto, não percam tempo com os cafunés dos filmes, corram para o masoquismo literário.
Título Original: Life of Pi
Autor: Yann Martel
Editora: Nova Fronteira
Ano da Edição: 2010
Número de Páginas: 419
Belo texto, Elder. Mesmo assim vou insistir em tentar o filme. :) Abração
ResponderExcluirLi outras resenhas sobre este livro e não tinha me chamado atenção. Agora com a sua resenha, me interessei!
ResponderExcluirCompartilho de sua opinião sobre o livro, fiquei mesmo matutando um longo tempo sobre a necessidade de uma ilusão que conforta em oposição à libertação que vem de uma verdade que machuca. Não cheguei a conclusão alguma, continuo a meu modo com as dúvidas de sempre. Mas duvidar não é existir?
ResponderExcluirJá sobre o filme digo apenas isto: gostei das imagens. Não esperava que pusessem na tela o diálogo interno do nosso querido Pi. Fiquemos com o livro.
Abraço.
Sou uma eterna curiosa, mas quando se trata de adaptações para o cinema me controlo muito para não ver nada enquanto não leio o livro... Ótima resenha, só me deixou mais ansiosa ainda! Beijos (;
ResponderExcluirhttp://ourbooksontheshelf.blogspot.com.br/?m=0
Ótima resenha, fiquei mega curioso para ler o livro, parabéns pela postagem.
ResponderExcluirParticipando do blog :)
http://refugionofimdouniverso.blogspot.com
Oi, Elder.
ResponderExcluirTudo bem com você? Em primeiro lugar, quero agradecer pelos seus comentários. Eu não sou fotógrafa profissional não, quem me dera. Também não fiz nenhum curso. Já tive uma Nikon profissional, mas agora estou com uma máquina bem simples da Sony, depois te passo a série dela. É uma máquina muito boa para dia - como a Nikon - que fotografa e filma em HD. Em segundo lugar, vim para avisar que você recebeu o prêmio Melhor Resenhista 2012 lá do meu blog. Confira http://goo.gl/xRHUc.
Logo retornarei para ler a resenha. ;)
Beijos,
Isie Fernandes - de Dai para Isie
Ótima resenha que só instiga mais o minha vontade de ler o livro. É incrível como eu começo lendo a resenha para encontrar erros de gramática (não que eu queira achar erros, o Elder mesmo é quem me pede) e no fim me pego absorto pela resenha esquecendo meu objetivo inicial e seguindo as linhas pelo puro prazer de lê-las. Pela enésima vez, parabéns pela resenha Elder.
ResponderExcluirWow que resenha impactante! Confesso que tenho um receio interno de ler a vida de pi e, bem, acabar gostando. Tanto pela tal polêmica do plágio quanto por ser concorrente direto do meu preciossssssso O Hobbit. Ah em relação a GOT, estou no Tormenta de Espadas e estava pensando em terminar de ler a série e fazer um super post (ou uma série deles) sobre os livros + série. Vi que você tá lendo A Dança dos Dragões, está pensando em algo especial? Poderíamos discutir e fazer algo bacana, o que acha? blogdoescafandro.blogspot.com
ResponderExcluirOi, estou passando aqui pra agradecer o comentário que fez sobre Ninho de Fogo, lá no blog da Isie. Fiquei muito feliz que tenha se interessado!
ResponderExcluirAh, sobre a resenha que fez, está ótima. Ainda não li o livro, mas já tinha visto o trailer do filme e parece ser bem legal...
Beijos :)
Camila - Ninho de Fogo
Oi!
ResponderExcluirOuvi tantos elogios quanto a adaptação cinematográfica desse filme que fiquei desconfiada - geralmente quando algo assim ocorre é com coisas estilo auto-ajuda ou Nicholas Sparks.
Aparentemente, eu estava errada. Mas as acusações de plágio vão me fazer não lê-lo tão cedo...
Sou daquelas que busca a leitura só como meio de entretenimento mesmo, e não vejo lá grandes problemas nisso. Foi para este fim que a literatura nasceu, e é assim que ela se sustenta. De qualquer maneira, não é como se todo tipo de entretenimento fosse fútil - muitos livros escritos somente para a diversão me fizeram refletir bastante, tipo A guerra dos tronos.
Amei a maneira com que você escreve resenhas, parabéns! Você escreve muito bem, e é ótimo ver um blogueiro literário que escrutina cada aspecto do livro, ao invés de somente fazer um comentário gostei/não gostei.
Excelente resenha, Elder! Não esperava menos de ti ;)
ResponderExcluirA Vida de Pi é mesmo um livro maravilhoso,
nunca me deliciei tanto com um masoquismo literário.
E, apesar da polêmica de plágio, o livro não perdeu nenhum pouco o seu encanto pra mim.
beijão, querido Elder!
Olá, Elder. Acabei de conhecer o seu blog e depois dessa ótima resenha, com certeza vou virar visitante. Ainda não li o livro, mas estou muito curiosa para lê-lo porque assisti ao filme e gostei bastante da história. Normalmente, a leitura nos dá uma sensação muito mais forte do que assistir ao filme e parece ser o caso desse livro. Ainda assim, o filme tem seu valor. Sua resenha só me deixou com mais vontade de ler a história de Pi e espero poder conferi-la em breve. Parabéns pelo blog! Já estou seguindo. Te convido também a visitar o meu e seguir se você gostar... O endereço é http://www.meigaemalefica.blogspot.com. Abraços.
ResponderExcluirOlá, eu fiquei com vontade de ler o livro e ver o filme, que foi indicado a várias acategorias no Oscar e Globo de Ouro ( o que na minah opinião, na verdade, não está servindo de parâmetro para nada ultimamente). Mas parece ser uma história muito bonita. Falando em História, faz tempo que não posta nenhum conto, estava pensando aqui isso ( não é pressão não hahaha é que você escreve muito bem.)
ResponderExcluirBom, o próximo post do meu blog tem uma indicação sobre você, se quiser dar uma olhadinha. bjs
naquelemomentoeujuro.blogspot.com
Olá.
ResponderExcluirAdorei seu blog e seus textos. Difícil ver uma resenha tão bem explorada, e ainda mais de um livro que eu estava na dúvida se deveria ler ou não.
A frase "Uma história que fará você acreditar em Deus" me intimidou quando peguei o livro para ler, e resolvi abandoná-lo na estante, mas vejo que foi um erro.
Irei lê-lo para tirar minhas conclusões.
bjos
Boa noite Elder,
ResponderExcluirNão conhecia o livro e achei interessante, ainda mais depois da sua resenha..parabéns...abçs.
http://devoradordeletras.blogspot.com.br/
Ótimo ponto de vista o seu, bem diferente do que tenho lido por aí em outros blogs que citam o mesmo livro, fiquei curioso agora HAHAHA.
ResponderExcluirAbraços :D
http://tediosoc.blogspot.com
Olá Elder, bela resenha! Acho que tirei as dúvidas se leria esse livro ou não, são livros desse tipo que valem a pena serem lidos, daqueles que deixam uma boa reflexão e com "pulguinhas" atrás da orelha! haha
ResponderExcluirbeijos,
Jéssica - strawberrydelivrosefilmes.blogspot.com.br
Olha, primeira resenha do livro que eu leio...geralmente é a sinopse ou escrevem sobre o filme...não imaginava tudo isso...mas já li livro de autores brasileiros na mesma linha...
ResponderExcluirLi uma matéria essa semana de que esse livro é supostamente um plágio de um autor brasileiro, acredita? Fazer, não valorizamos o que é nosso achando chato e cansativo e os outros(estrangeiros) acham a história original e levam pra fora e depois devolvem hehehehe
Beijinhos no coração.
http://marlicarmenescritora.blogspot.com.br/
P.S: Aproveito a oportunidade para anunciar que tem sorteio de livro nacional. Venha apoiar. http://marlicarmenescritora.blogspot.com.br/
Comprei esse livro porque pretendia ler antes de assistir ao filme. Acabei enrolando e vi o filme primeiro. Achei maravilhoso, e me deixou ainda com mais vontade da leitura. Gostei de saber que o livro é mais "forte" que o filme, mas acho que vou deixar pra daqui um tempo. Ultimamente o que eu preciso mesmo é de algo que me distraia e não me faça pensar muito.
ResponderExcluirAlguém sabe se as edições da Nova Fronteira e a antiga da Rocco são a mesma tradução?
ResponderExcluirA tradução da Nova Fronteira foi feita pela Maria Helena Rouanet e a da Rocco pela Alda Porto.
ExcluirNossa, obrigado pela rápida resposta.
ExcluirSaberia se uma é pior/melhor que a outra?
Gosto mais da capa da edição da Rocco :)
O comentário que li sobre a tradução é que a da Rocco é "mais crua e objetiva", embora a da Nova Fronteira seja bem mais acabada. Mas penso que não deve ter nenhuma diferença gritante, não.
Excluir:)
O trailler do filme não me despertou o interesse e, quando fiquei sabendo sobre a suspeita de plágio e li as declarações maldosas e mentirosas do autor sobre a obra do Scliar, larguei de mão ;-)
ResponderExcluirBj, Aris.
eu vi o trailer do filme, não me interessei muito :S
ResponderExcluirmas com a sua resenha, talvez eu leia o livro
beijos :D
http://livrodecapadura.blogspot.com.br/
Gente esse eh simplismente o maior e mais extraordinario livro de todos os tempos. Tanto o filme como o livros aconselho todos a ver. Eh um livro que faz vc acreditar em deus. Gente e no fim do filme do pi eu chorei de emocao. Uma das maiores obras literarias do mundo.
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