Autor: Carlos Heitor Cony
Editora: Alfaguara
Ano da Edição: 2008
Número de Páginas: 152
No período da ditadura militar no Brasil, Carlos Heitor Cony foi detido diversas vezes por militares, mas em sua última prisão no ano de 1972 — a mais terrível conforme o autor —, a postura dos militares mudou radicalmente. No cárcere, os presos dormiam no chão, não havia água para beber, a água do banho provinha de um cano na parede e prisões arbitrárias estavam sendo efetuadas em todo o país. Em Romance sem palavras, o autor faz uma representação ficcional de sua própria experiência no período militarista brasileiro que viu seu auge durante os anos 60, 70 e 80, época marcada por extrema repressão.
O livro relata a história de Beto, homem solitário que evita se envolver diretamente na luta contra a ditadura e que em alguns momentos lembra Paulo Simões de Pessach: a travessia. Depois de uma denúncia, Beto é preso por agentes do governo militar e, na cela, acaba conhecendo e salvando a vida de João Marcos. Os dois prisioneiros, "náufragos de um mar também tormentoso", iniciam uma amizade que logo se conturba após a chegada de Iracema, mulher enigmática e membro da luta armada contra o regime militar. Amante de um e depois casada com outro, Iracema é a razão do estranho triângulo amoroso que os une.
A obra Romance sem palavras é contada em descontinuidade temporal, com flashbacks, em que o narrador vivendo no presente, no ano de 1995, recria sua história dos anos 60 a 80, quando ele foi preso no governo ditatorial. Assim, a narrativa de Carlos Heitor Cony, por intermédio do personagem Beto, estabelece um discurso construído à luz de seu próprio passado. O romancista foi detido mesmo não sendo militante político durante o regime militar brasileiro dos anos 60. Os fatos vivenciados e testemunhados por ele nessa época lhe inspiraram para a elaboração do romance e, portanto, a obra acaba tendo um caráter verossímil.
"Ainda que viva cem, mil anos, não esquecerei aquele dia em que, deitado no leito miserável da cela B17, a porta se abriu e dois soldados empurraram um corpo que logo se estatelou no chão de ladrilhos. De início, nem parecia um corpo [...] que desabou e, estranhamente, não fez nenhum ruído quando caiu. Ou, quem sabe, o espanto – seria melhor dizer: o medo – não me deixou ouvir nada [...] Sempre que aquela porta se abria, alguma coisa poderia acontecer comigo [...] a porta só abria a noite, para mais um interrogatório. Já tudo havia respondido, o que sabia e o que não sabia, minhas informações estavam sendo checadas, se elas não fizessem sentido ou fossem julgadas insuficientes, eu começaria a ser torturado."
A trama narrada pelo protagonista Beto sustenta a ideia de um triângulo amoroso que inicia em seu envolvimento com Iracema, a causa de sua permanência no movimento revolucionário. Iracema também, no meio dessa confusão, fica com Jorge Marcos, que abandona a batina para viver sua paixão. Nas palavras de Beto: “Criamos um universo a três que nos bastava. E nos redimia da loucura do sonho e da chatice da realidade”. O título do livro se explica com o seguinte trecho da obra: “não tínhamos nada a conversar em especial, bastava que ficássemos juntos e o diálogo interior se formava, sem necessidade de palavras”. O relacionamento entre o três, portanto, se dá em um diálogo silencioso, sem palavras.
O livro do Carlos Heitor Cony se vale de bases documentais e relatos de um dos momentos mais escuros da história brasileira e, por isso, se configura como literatura de testemunho. Em outras palavras, os elementos ficcionais e reais acabam se conectando na obra. O romance de Carlos Heitor Cony demonstra a tensa fronteira que existe entre a forma literária e a experiência vivida. É comum que autores deixem a própria personalidade e história escoarem para os seus livros. Romance sem palavras é uma história instigante que, na minha opinião, poderia ser resumida como a história que poderia ter acontecido.
Nossa, eu amo histórias que tem traços de fatos que realmente aconteceram sabe... e essa sem dúvida parece ser daquelas que nos transportam para dentro do livro. Ótima resenha!
ResponderExcluirAbraços...
http://joandersonoliveira.blogspot.com.br/
Ei Elder, tudo bem?
ResponderExcluirCurtinho o livro ne? Otima resenha. Pessoalmente não faz meu gênero. Não gosto de fatos históricos, mas que bom que foi uma leitura tão legal pra vc.
Abraços
David Andrade
http://www.olimpicoliterario.com/
Elder, eu te indiquei em uma tag lá no blog! Abraços...
ResponderExcluirhttp://joandersonoliveira.blogspot.com.br/p/tag-meus-livros.html
Gostei muito da proposta do livro, vou acrescentar a minha lista de leitura. Bjs
ResponderExcluirhttp://www.simallice.com/
Oi, Elder! Não conhecia o livro, nem o autor, mas fiquei super interessado em "Romance Sem Palavras"! Parece ser um romance denso e instigante, adorei! :)
ResponderExcluirAbraço
http://tonylucasblog.blogspot.com.br/
Olá!
ResponderExcluirEu adoro os livros do Cony e uma das minhas metas literárias de vida é ler todas as suas obras! rs Ainda não li "Romance sem palavras", mas acho que colocarei esse título como o próximo do autor a ser adquirido! Pelo visto, mesmo em tão poucas páginas o autor não apenas tocou o leitor, como também trouxe um apanhado histórico considerável. :~
Beijos,
Samantha Monteiro
http://www.wordinmybag.com.br/
Uma das minhas metas de leitura é também ler todos os livros dele, Samantha! Dele e da Hilda Hilst :)
ExcluirEu gosto bastante de livros desse gênero. Não o conhecia, mas com certeza irei procurá-lo nas livrarias.
ResponderExcluirGostei bastante da sua resenha, essa obra me lembrou um pouco o Alcatraz por falar de prisões (mas apenas isso, hahah).
Enfim.
Beijos.
www.minineko.org
Ainda não conhecia esse livro mas ele parece ser bem comovente e emocionante, gosto de livros assim, que fazem com que nós desejamos que tivessem acontecido realmente.
ResponderExcluirAbraços.
Guilherme.
http://omeu-diva.blogspot.com
Elder, sou fã de romances não convencionais que assumem esse caráter singular, onde a relação nem sempre segue padrões, mas sempre tem um sentido na vida dos personagens que vivem. Achei fantástica a história do livro, pois além de nos entreter com uma história de amor (e eu acho que os melhores livros tem uma pitada dele) ainda nos enriquece com história, crua e nua.
ResponderExcluirVocê escreve muito bem.