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EU, ELDER F.


Livros, filmes, fotografias e histórias contadas pela metade.

Resenha: 'Cem Anos de Solidão' - Gabriel García Márquez

"Cem Anos de Solidão" do Gabriel García Márquez não apenas deu ao autor o Prêmio Nobel de Literatura de 1982 como também, na época de seu lançamento em 1967, rompeu a hegemonia europeia e norte-americana na literatura mundial e resgatou a América Latina dos seus anos de solidão. Nessa obra, considerada uma das mais importantes da literatura hispânica, Gabriel captura o leitor com seu minucioso trabalho de carpintaria literária, construindo efeitos, graduando impressões e moldando ações e costumes que unidos contam uma história universal. Em cada lar latino-americano é possível vislumbrar as situações da narrativa tão mágica e intensa do autor colombiano.

No meio dos anos conturbados das décadas de 60 e 70, onde os países latino-americanos passavam por seus processos ditatoriais, o realismo fantástico surgiu como crítica social aos domínios da ditadura. Dentre os autores da corrente literária também conhecida como realismo mágico, encontra-se Gabriel García Marquez, carinhosamente apelidado de Gabo, que em "Cem anos de solidão" fundiu elementos mágicos com a realidade da fictícia cidade de Macondo através da experiências vividas pela família Buendía. Convertendo em linguagem a linha tênue entre o real e o imaginário, Gabriel deu forma ao realismo mágico que marcou a literatura latino-americana.

"Cem anos de solidão" conta a história das seis gerações da família Buendía, a principal família de Macondo, onde todos os homens são batizados com os nomes José Arcádio ou Aureliano, sendo que os Josés Arcádios são sempre impulsivos, extrovertidos e trabalhadores, enquanto que os Aurelianos são mais pacatos, estudiosos e fechados em seu mundo interior. Os nomes repetidos em alguns momentos podem confundir o leitor e fazê-lo visitar a árvore genealógica da família com frequência, mas essa repetição constante é reflexo de uma história com eternos retornos e referência a uma Macondo que passa por diferentes ciclos laboriosos de prosperidade e decadência.
"Em poucos anos, Macondo foi a aldeia mais arrumada e laboriosa que qualquer outra que seus 300 habitantes tivessem conhecido. Era de verdade uma aldeia feliz, onde ninguém tinha mais de trinta anos e onde ninguém tinha morrido."
Como morador de um típico lar latino-americano contemporâneo, enxerguei diversos ingredientes dessa realidade embutidos no romance de Gabriel, o que talvez tenha sido fator fundamental para que em muitos momentos da obra eu soltasse várias gargalhadas. O culto da virilidade masculina é fervorosamente sustentado nas gerações da família e, infelizmente, é algo presente na cultura latino-americana através da figura do "macho" e do discurso do "prendam suas cabritinhas que meu bode tá solto". O catolicismo tão vivo na nossa cultura é também destaque na obra e é trazido, principalmente, pelas personagens femininas.
"O diabo provavelmente havia ganho a rebelião contra Deus, e era quem estava sentado no trono celestial, sem revelar sua verdadeira identidade para pegar os incautos."
O romance de Gabriel também apresenta discussões políticas no contexto de Macondo que podem muito bem serem aplicadas a qualquer outra cidade latino-americana, por isso a universalidade da obra. A materialidade da consciência coletiva em que vivemos é posta nesse vilarejo onde os ânimos locais, divididos entre Liberais e Conservadores, exaltam-se a tal ponto que chegam em uma inevitável guerra civil. É como se Macondo fosse a cidade modelo que reunisse a história de todas as outras cidades latino-americanas. O Gabriel tanto me envolveu com sua perspicácia que às vezes eu folheava os livros com os pés, pois as mãos aplaudiam.
"Os liberais, dizia, eram maçons; gente de má índole, partidária de enforcar padres, de implantar o matrimônio civil e o divórcio, de reconhecer direitos iguais aos filhos naturais e aos legítimos, e de despedaçar o país num sistema federal que despojava de poderes a autoridade suprema. Os conservadores, em contrapartida, que haviam recebido o poder diretamente de Deus, defendiam a estabilidade da ordem pública e da moral familiar, eram os defensores da fé em Cristo, do princípio da autoridade, e não estavam dispostos a permitir que o país fosse esquartejado em entidade autônomas."
Através de seu realismo fantástico, Gabriel surpreende o leitor com personagens que simplesmente começam a voar em direção ao céu e não mais retornam, com chuvas que duram anos, borboletas que anunciam pessoas, uma peste da insônia que deixa uma cidade inteira sem dormir a tal ponto que os seus habitantes começam a sonhar acordados e observar o que o outro está sonhando. O modo como o autor descreve esses elementos mágicos e absurdos com tanta primazia fazem com que o leitor pare por um tempo para digerir com calma a leitura. Dificilmente vou esquecer o momento no romance quando o sangue do filho morto viaja por toda a aldeia para acabar aos pés da mãe.
"Um fio de sangue escorreu por debaixo da porta, atravessou a sala, saiu à rua, continuou seu curso direto pelas calçadas desiguais, desceu escadarias e subiu parapeitos, passou ao largo da rua dos turcos, dobrou uma esquina à direita e outra à esquerda, girou em ângulo reto na frente da casa dos Buendía, passou por debaixo da porta fechada, atravessou a sala de visitas grudado no rodapé das paredes para não manchar as tapeçarias, continuou pela outra sala, driblou numa ampla curva a mesa da sala de jantar, avançou pela varanda das begônias e passou sem ser visto por baixo da cadeira de Amaranta, que dava uma aula de aritmética para Aureliano José, e se meteu pela despensa e apareceu na cozinha onde Úrsula se preparava para quebrar trinta e seis ovos para o pão.
- Ave Maria Puríssima! - gritou Úrsula."
Não me perdoo por ter lido esse livro tão tarde, mas ainda assim me alegro por ter lido o que posso considerar um dos melhores livros que já passaram pelas minhas mãos. Se pudesse abraçar o Gabriel no momento em que finalizei a leitura, o teria feito, mas como era impossível, abracei o livro em seu lugar. De uma prosa inesquecível e estilo encantador e intenso, não é em vão que Gabriel García Márquez está na lista dos mais admirados e traduzidos autores do mundo. Não sei dizer exatamente quando, mas espero em breve reler "Cem anos de solidão" e, mais uma vez, me encantar com Macondo, a família Buendía e a magia de Gabo.

"O coronel Aureliano Buendía quase conseguiu compreender que o segredo de uma boa velhice não é mais que um pacto honrado com a solidão."

Título: Cem Anos de Solidão

Título Original: Cien Años de Soledad

Autor: Gabriel García Márquez

Ano de Publicação: 1967

Ano da Edição: 2013 

Páginas: 447 

Editora: Record 




10 comentários:


  1. Eu também não me perdoo por tê-lo abandonado, mas tenho certeza que voltarei a ele. E, a julgar pela sua resenha, posso dizer que não vai demorar muito. ˆˆ

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Oi, já ouvi falar muito sobre o livro, mas acredita que essa é a primeira resenha que leio sobre ele?, pela sua resenha não sei se ia gosta ou não, terei que tirar minhas próprias conclusões, adorei a resenha.
    Abraços
    http://litaralmentelivros.blogspot.com.br/

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  4. Olá, eu já havia visto esse livro, mas não é o tipo de livro que me agrada, não sei se eu leria, embora a sua resenha tenha me mostrado pontos do livro que eu ainda não conhecia, mas mesmo assim não pretendo colocar na estante, talvez eu precise deixar o preconceito de lado e começar a ler novos gêneros e sair da minha zona de leitura confortável, esse livro pode ser um bom começo.

    http://vocedebemcomaleitura.blogspot.com.br

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  5. Olá, tudo bem?
    Já ouvi ótimos comentários sobre esse livro, mas eu acho que não iria gostar da leitura, mas gostei da resenha. Parabéns :D

    Victor Tadeu, blog Desencaixados
    http://desencaixados.blogspot.com.br

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  6. Boa tarde!

    Em primeiro lugar, gostaria de parabenizá-lo pela excelente resenha. É uma das mais completas que já li - e já estou neste "mundo literário" há pelo menos 5 anos, bem antes de criar meu próprio blog. Você já expôs a opinião que teve em relação ao livro logo no início, não enrolou com o resumo (embora tenha contado do que se trata a história), trouxe um pouco do contexto em que o livro está inserido e até mesmo quotes!!

    Nunca li este, mas é um dos da minha LOOOONGA lista (Gabriel Garcia Marquez é um must-read). Dentre os trechos que você selecionou, escolhi este:

    "O diabo provavelmente havia ganho a rebelião contra Deus, e era quem estava sentado no trono celestial, sem revelar sua verdadeira identidade para pegar os incautos."

    Achei de um tom bem diferente do convencional.

    Muito obrigada pelo texto e estou encantada com o seu estilo!

    Grande abraço,

    Ana Carolina Nonato
    Blog Seis Milênios

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  7. Oi Elder! Está aí um autor que quero muito ler! Já li bastante sobre o Garcia Marquez, mas ainda não cheguei a ler nada escrito pelo autor. "100 anos de solidão" será, com certeza, meu ponto de partida! Parabéns pela publicação, me instigou a começar logo a leitura! :)

    Beijos,
    Fernanda
    www.oprazerdaliteratura.com.br

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  8. Esse livro acabou com o meu coração de todas as formas possíveis e impossíveis. Sua resenha disse tudo o que eu sempre quis dizer sobre ele. Parabéns, parabéns, parabéns!
    Beijos e sucesso!
    www.clubedas6.com.br

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  9. Olá Elder,
    Excelente resenha...
    Esse é um dos livros que tenho um apreço grande, já o li algumas vezes e gosto muito, apesar de não ser exatamente meu "estilo" de literatura.

    Já estou seguindo o blog.
    Um abraço!
    Um guarda-livros
    @rodolfosoares

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  10. Olá!
    Apesar de ouvir mil maravilhas sobre o livro, ele nunca me chamou a atenção. Não sei o motivo, mas não me atrai nem um pouco. Quem sabe um dia eu leia e pague a língua haha muito boa sua resenha.

    Beijos
    http://www.breakingfree.blog.br/

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