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EU, ELDER F.


Livros, filmes, fotografias e histórias contadas pela metade.

Resenha: 'A Mão Que Me Acariciou Primeiro' - Maggie O'Farrell

A ideia de que apenas o autor e a sua obra sozinhos são os responsáveis pela recepção dos leitores sempre me soou equivocada. De acordo com o nosso estado interior, podemos interpretar e sentir tudo a nossa volta em diferentes níveis de intensidade. A mesma chuva que significa benção onde há secas também pode denotar tragédia onde existem enchentes. O receptor é responsável em boa parte pelo impacto ocasionado pela mensagem que está sendo transmitida. Em A Mão Que Me Acariciou, Primeiro, da irlandesa Maggie O'Farrell, essa mensagem pode se tornar ainda mais intensa e significativa quando direcionada àqueles que já vivenciaram a experiência de ter uma criança.

A história envolve duas personagens fortemente conectadas vivendo em diferentes períodos de tempo: Lexie Sinclair e Elina. Por volta dos anos 1950, Lexie abandona sua casa em uma área rural do Reino Unido e se muda para Londres onde começa a trabalhar como editora. Na Londres dos dias atuais, Elina se recupera do parto traumático do seu primeiro filho enquanto conta com a ajuda de seu namorado Ted para que aos poucos possam dar continuidade a vida. A conexão entre as duas histórias se dá conforme a história caminha, talvez depois de muito caminhar, se me perguntarem.

A fórmula bastante comum das duas pessoas interligadas com um segredo muito bem guardado é utilizada por Maggie O'Farrel e poderia com facilidade ser o declínio da obra não fosse o estilo descritivo e sensorial da autora. Desconhecida para mim até então, a autora me cativou pela sua forma sucinta de descrever o ambiente e de capturar o leitor através do uso dos sentidos e dos detalhes. O seu estilo de escrever é delicado, quase melódico, e tão incrivelmente descritivo e evocativo dos sentidos que você realmente sente como se estivesse no mundo dos personagens enquanto lê.
"Ouça. As árvores dessa história estão agitadas, trêmulas, irriquietas. Uma brisa chega em rajadas vindas do mar, e é quase como se as árvores soubessem, em sua inquietação, pela maneira impaciente como agitam suas copas, que algo está prestes a acontecer."
Depois de um tempo em Londres, Lexie encontra-se grávida e decide ter o bebê por conta própria, enquanto que no presente Elina vive sonolenta e cansada pois o filho lhe toma o tempo integralmente. Nesse casamento de maternidades que se entrelaçam, a autora claramente escreve na história das duas personagens as suas próprias dificuldades, cansaços e amores que teve enquanto mãe de duas crianças. As mães que leem o livro podem facilmente se identificar em diferentes níveis com a rotina da Lexie e Elina, enquanto que aqueles não tão chegados a ideia de ter filhos podem se assustar ainda mais conforme a leitura prossegue.
"- O que está achando de toda essa... - Ela aciona o isqueiro e mantém a chama junto à ponta do cigarro até que ele se acenda - ... de toda essa coisa de bebê?
- Eu... - Elina pensa no que deve dizer. Deve falar sobre as noites em claro, sobre o número de vezes que precisa lavar as mãos, da infindável tarefa de cuidar de roupinhas minúsculas, da sacola que precisa arrumar com fraldas e paninhos, da horrível cicatriz que desfigurou seu abdômen, da absoluta solidão de seus dias, das horas que passa ajoelhada no chão sacudindo um chocalho, ou um sininho, ou um pedaço de pano, da vontade reprimida que tem por vezes de parar mulheres mais velhas nas ruas e perguntar 'Como foi que vocês passaram por tudo isso?'."
Maggie O'Farrell escreve poeticamente, mas sua história cai na previsibilidade em alguns momentos. O enredo segue no seu próprio ritmo e é sustentado em sua maioria pelos eventos que ocorrem na vida de Lexie Sinclair, pois são os eventos orgasmáticos da obra. A lentidão com que a história segue pode até ser compreendida, visto que que sinaliza a vagareza que se tornou a vida de Elina desde o nascimento do filho, a morosidade que sua rotina adquiriu. No entanto, é difícil não se perguntar em alguns capítulos quando algo de excitante vai acontecer. Nessas horas parece que é exatamente o que a autora quer, que ao invés de excitação o leitor experimente os dissabores da rotina, o marasmo do dia-a-dia.

A crítica internacional coloca Maggie O'Farrell entre uma das escritoras mais talentosas do Reino Unido, o que me faz acreditar que talvez eu não tenha começado com o seu melhor livro ou quem sabe não o tenha lido no meu melhor momento. De todas as formas, o livro é bem sucedido ao mostrar o quão forte é a dedicação e o amor materno e quanto nossas vidas são apenas um centímetro de um longo carretel. Ainda que a espera para o desenrolar da história tenha sido como esperar horas e horas de carro para enfim chegar à praia, acredito que em algum outro momento vou ler outros livros da O'Farrell, embora eu não tenha nenhuma pressa ou urgência especial.


Título: A Mão Que Me Acariciou Primeiro

Título Original: The Hand That First Held Mine

Autora: Maggie O'Farrell

Ano: 2015 

Páginas: 322 

Editora: Bertrand Brasil

3 comentários:


  1. Adorei a história do livro e a resenha, mas sinceramente essa capa poderia ser um pouco melhor né?! Abraços, Miguel do www.demasiadamentelendo.com.br

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  2. Eu concordo super com o que você falou no inicio do post, como estudante de Letras , sempre ouço dizerem que na verdade a construção do sentido do texto é sempre feita pelo leitor. Cara a capa desse livro me lembrou muito do filme A Garota Dinamarquesa <3 . Essa capa mas sua resenha , me deixaram super curiosa pra ler o livro!

    Abraços, Anna

    www.amigadaleitora.com

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  3. Olá!
    Não conhecia nem autora, nem livro, e a capa não me animaria a lê-lo. Mas, de fato, parece ser bem interessante.
    Quanto ao que dissesse sobre a interpretação do livro depender do leitor, concordo plenamente. É completamente equivocado pensar que todos teriam a mesma visão do livro, já que nossas experiências de vida podem ou não ser refletidas na leitura.
    Enfim, gostei da resenha! =)

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