No fim de 2014, quando cheguei no Brasil depois de passar quase dois anos longe de casa, iniciei uma limpeza completa no meu quarto, motivado pela limpeza completa que o intercâmbio tinha feito em mim. Entre cartas antigas, fotos constrangedoras e declarações de eterno amor, encontrei algumas poesias antigas que eu escrevia em tardes de tédio sem fim na época do ensino médio. No meio dos poemas de amor, permeavam alguns poemas que confidenciavam aventuras e outros que gritavam a rebeldia adolescente, mas todos tinham algo em comum: foram pessimamente escritos e, por isso, decidi jogá-los fora para o meu próprio bem.
Os poemas do Neruda, um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e não um adolescente com muito tempo nas mãos como eu era há anos atrás, não tiveram o mesmo destino que os meus poemas tiveram, para o bem geral dos amantes de poesia, e acabaram sendo todos publicados ao redor do mundo - ou quase todos -, levando-o a receber o Nobel de Literatura em 1971. No entanto, em junho de 2011, a Fundação Pablo Neruda começou a desbravar todos os possíveis manuscritos e originais dos poemas do Neruda, tendo encontrado 21 textos inéditos agora publicados no Brasil pela José Olympio sob o título de "Teus pés toco na sombra: e outros poemas inéditos".
Ainda que esses 21 poemas adicionem pouco a imensa obra poética do chileno, a pequena coleção de poemas recém aparecidos são presentes aos fãs de poesia e do próprio Neruda, pois proporcionam um encontro com fragmentos perdidos do autor que dão ao leitor, durante a leitura, um sentimento de proximidade ao poeta. Os poemas ignorados do chileno - essa espécie de tesouro em forma de papéis avulsos - se incorpora na memória do leitor, que sente-se como se estivesse ao lado do poeta no momento em que ele produzia seus textos em longas viagens de volta para casa.
"Teus pés toco na sombra, na luz as tuas mãos
e no voo me guiam os teus olhos de águia
Matilde, com os beijos que aprendi de tua boca
meus lábios aprenderam a conhecer o fogo"
A obra conta com introdução e notas de Darío Oses, diretor de biblioteca e arquivos da Fundação Pablo Neruda, onde as notas guiam o leitor quanto ao contexto em que os poemas estão inseridos. O prólogo fica a cargo do editor e poeta Pere Gimferrer, duas vezes ganhador do Prêmio Nacional de Poesia da Espanha. O que torna esta obra singular, porém, é que, além de ser bilíngue, ela vem acompanhada da reprodução fac-similar de cinco dos vinte e um poemas encontrados no arquivo do poeta, que possui em média 4500 documentos entre cartas, discursos e poemas.
Entre versos de amor e outras odes, os poemas inéditos também relembram tempos de dor. Em janeiro de 1973, Neruda percebeu que a morte lhe cercava através de um câncer na próstata. Assim, ele escreveu um poema que pode ser compreendido como uma despedida, número 19 no livro. No papel onde tinha sido escrito o poema, constava que este deveria fazer parte da coletânea de poemas de "Defeitos Escolhidos", mas que por alguma razão não foi incluído no livro, até ter sido trazido à tona em "Teus Pés Toco Na Sombra".
"vivo tremendo de que não me chamem
ou de que me chamem os idiotas,
minha ansiedade resistiu a remédios,
doutores, sacerdotes, estadistas,
vou talvez me transformando em telefone,
em instrumento negro e abominável
pelo qual comuniquem os outros
o desprezo que me consagrarão
quando eu já não sirva para nada
ou seja, para que falem
as vespas por intermédio do meu corpo"
O versos de Pablo Neruda serviram como instrumento e arma contra as injustiças sociais de seu tempo, mas Neruda também mostrou que poderia ser um poeta lírico e angustiado, como em "Vinte poemas de amor e uma canção desesperada" (1924). A criação poética de Neruda possui diferentes lados que agora se veem unificados em "Teus Pés Toco Na Sombra", dado que os 21 poemas foram escritos em diferentes momentos da vida do poeta. Um lado de sua poesia é sempre frequente, porém, o que canta a esperança num mundo melhor.
Título: Teus pés toco na sombra: e outros poemas inéditos
Título original: Tu pies toco en la sombra y otros poemas inéditos
Autor: Pablo Neruda
Tradutor: Alexei Bueno
Ano: 2015
Páginas: 144
Editora: José Olympio (bilíngue)
Oi
ResponderExcluirLegal a resenhas, parece se um bom livro só que nem chamou minha atenção para a leitura,
não sou muito fã de ler poesia o que conta e que você gostou.
momentocrivelli.blogspot.com.br
Denise, eu costumo dizer que todos nós gostamos de poesia, só precisamos identificar qual que é o estado poético que a gente mais tem apreço, se em textos corridos, se na arte, se na vida. Enfim, sou desses apaixonados que acha que tudo é poesia e que pensa que em tudo há a chance de se fazer arte.
ExcluirEu não conhecia o autor e, gostei desse último poema.
ResponderExcluirE, meu DEUS, CARA, suas resenhas são incríveis.
Eu fico besta quando estou lendo!
É muito diferente das que costumo ler.
http://letrasfloresecores.blogspot.com.br/
Obrigado pelo comentário, Ruan! Eu me esforço propositalmente para escrever minhas resenhas de forma diferente, pois não curto muito o padrão que encontro na maioria dos blogs literários que vejo por aí. É legal saber que o esforço e os três dias que às vezes passo trabalhando numa resenha valem a pena.
ExcluirUm abraço!
Uma resenha realmente diferenciada dentre as costumeiras por aqui. Com cunho quase que jornalistico... adorei <3
ResponderExcluirentão... acho que jogar seus poemas adolescentes fora foi um erro. As vezes o que a gente julga ruim pode ser reciclado e transformado em algo grandioso. Não se sabe se foi isso que ocorreu ao pablo, né?
curti tua escrita, mesmo
beijo
beinghellz.blogspot.com
Obrigado, Hellz! Eu acabei de falar pro Ruan ali em cima que dedico um tempinho a mais pra escrever minhas resenhas e sem contar que sigo um passo a passo imaginário. Digo, não sigo estritamente porque a maioria dos passos já faço de maneira automática, mas há uns anos atrás escrevi sobre meu processo de elaboração de uma resenha, se quiseres dar uma olhada: http://www.oepitafio.com/2013/11/opiniao-escrevendo-resenhas-10-dicas.html
ExcluirUm abraço!
Cada poema lindo, eu amei esse livro!
ResponderExcluirEu também sou assim, agora que estou de férias, eu costumo revirar minhas coisas no quarto ou no depósito de casa e encontro tanta coisa fofa e até boba que eu fazia na adolescência... Cartinhas de amor, livros juvenis que eu amava ler. enfim, é uma nostalgia até boa.
Beijos. ♥
Diário da Lady
Eu acho que estamos ficando velhos, Leidiana! A minha vó tinha o costume de todo o fim de semana arrumar todo o guarda roupa e papéis dela, agora sempre que tenho um tempo livre faço o mesmo. . . É de família ou é a idade mesmo.
ExcluirBeijos.
Um dia, eu assisti um filme que falava algo do Pablo Neruda e fiquei super interessada em ler suas obras. Pena que acabei esquecendo. (Fora que não sou muito fã de poemas)
ResponderExcluirSó o intercâmbio pra despertar o sentimento de desapego na gente. Quando voltei do meu, também fiz algo parecido que você fez.
Beijos
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Eu sei que recentemente foi produzido um filme sobre o Neruda, é chamado Neruda — Fugitivo” do Manuel Basoalto, eu tô curioso pra assistir, mas parece que vai demorar a chegar pelas salas de cinema daqui :(
ExcluirOi Elder, tudo bem?
ResponderExcluirCom raras exceções, não sou muito fã de poesia.
Ainda assim, gostei de conferir suas impressões sobre o livro e também saber um pouco mais sobre o autor, que influenciou o seu meio e seu tempo por meio da sua obra.
Beijos,
Priscilla
http://infinitasvidas.wordpress.com