Não me julguem mal e nem com antecedência, pois sei que os clichês têm suas verdades mais puras e vivas e, se adquiriram esse título nefasto, é por que são um conhecimento consolidado, um fluxo constante ou uma reflexão que vez ou outra volta para nos assombrar. Assim sendo, clichês são partes essenciais do nosso dia-a-dia, porém não chamam mais a nossa atenção por serem repetitivos. Em contrapartida, se a história, frase ou reflexão em questão for nova ou quase nova, ela pode ter um efeito diferente e intenso no indivíduo que a lê, escuta ou vê. E isso explica o motivo de minha amiga ter se apaixonado pelo livro do Felipe Guga enquanto que eu só tive um quick affair proporcionado pelos lindos desenhos contidos na obra.
Felipe Guga formou-se em design em 2005, embora tenha começado a desenhar desde que lhe entregaram papel e umas canetas. Nas suas ilustrações, amplamente divulgadas no Instagram, Guga assume um perfil espiritualista e de autoconhecimento, onde, através da representação da luz, o ilustrador transmite o amor e entendimento que adquiriu ao longo das suas experiências de vida. Em 2015, Felipe Guga lançou o seu livro de ilustrações pela Galera Record intitulado Sorria, você está sendo iluminado!, que reúne ilustrações famosas do designer antes publicadas em redes sociais.
É conhecida a função da luz na simbologia: tirar-nos da escuridão, brilhar nossos caminhos e espantar os fantasmas da noite. A luz, portanto, é o símbolo da divindade por excelência, do que é superior, claro e nítido. O vínculo entre o cristianismo e a luz são fortes, por exemplo, especialmente entre a figura do deus cristão e a luz, como consta em João 1:5: "E esta é a mensagem que dele ouvimos, e vos anunciamos: que Deus é luz, e não há nele trevas nenhumas." Essa simbologia divina da luz é uma marca constante na obra de Felipe Guga, onde, como diz o próprio autor nos agradecimentos, o deus cristão é a luz mais brilhante e infinita de todas.
O livro é divido em cinco partes que são demarcadas por ilustrações: um fósforo, uma vela, uma lâmpada, um isqueiro e uma bugiganga que resulta em diferentes raios do espectro da luz. Evidentemente há nessa organização e nessas ilustrações a ideia de evolução, desde (1) um fósforo que queima através da dependência absoluta do oxigênio e cujo tempo de vida é curto demais, passando por (2) uma vela dependente de oxigênio com um período de vida maior que o do fósforo, chegando na (3) lâmpada que ilumina por tempo indeterminado, visitando o (4) isqueiro que, dentre as muitas funções, é uma luz que podemos carregar e acionar nas situações necessárias e culminando na (5) torneira elétrica que, através da simbologia da água que traz a tona o renascer, produz lindas e variadas formas de luz.
Na evolução dessas formas de produção de luz, resta-nos acreditar que estamos sendo representados, seja no fósforo que sacrifica a si mesmo e consome oxigênio para produzir luz, lembrando o desenho de Guga onde se afirma que a gratidão é o oxigênio da alma e que, deduz-se, apenas a partir da gratidão que podemos nos iluminar, ou seja na lâmpada que, entre todos os seus significados presentes na obra, pode ilustrar os ensinamentos do deus cristão, referenciando a frase "lâmpada para os meus pés é a tua palavra e luz para os meus caminhos". No final das contas, essa evolução das luzes pode representar a evolução da nossa fé através da religião, religião que vem do latim "religare" e significa religar.
Mas é como dizia minha professora de literatura do segundo ano: não façam muitas inferências sobre obras de autores que ainda estão vivos, pois a qualquer momento eles podem se virar para vocês e dizer que não, "não foi isso que eu quis dizer". Um filho porém não se comporta na frente dos pais da mesma forma que se apresenta na frente dos amigos, portanto os autores devem entender que suas obras (seus filhos) assumem diferentes formas para diferentes indivíduos e, quanto a isso, nada podem fazer. A representação da luz como a divindade cristã que os adultos têm medo (temem a luz/temem a Deus) se fez viva em mim durante a minha leitura, resta saber se era isso que Guga queria dizer com a "luz".
Nas ilustrações de Guga, encontrei-me na que fala sobre esvaziarmos a lixeira que há em nós. Há algumas semanas antes de começar a leitura da obra, enquanto participava de uma dança circular de roda no São José Liberto (Museu Gemas do Pará), a condutora comentou sobre os malefícios de sermos depósitos de mágoas, lixeiras de rancor e estoques de ódio advindo de relações passadas. Na imagem encontrei as palavras da condutora e coreógrafa tão bem resumidas que compartilhei com amigos as minhas reflexões sobre o assunto e, nesse aspecto, as ilustrações do Felipe Guga são essenciais: elas são um convite à reflexão.
Há, nas ilustrações e frases de Sorria, você está sendo iluminado!, uma conexão que acontece em intensidades diferentes. Se você for mais espiritualista, cristão ou fã de livros de autoajuda, as ilustrações podem te ajudar a partir para discussões mais aprofundadas sobre nossas atitudes como seres humanos. Em contrapartida, se você preferir mais o lado da objetividade, a obra pode se destacar em suas mãos mais pelas belas ilustrações do designer carioca do que pelas frases de autoajuda. De todo modo, subjetivo ou objetivo, espiritualizado ou não, permita-se sorrir e se deixar iluminar: seja a luz que lhe ilumina alguma divindade ou seja essa luz autoconhecimento.
Autor: Felipe Guga
Ano: 2015
Páginas: 96
Idioma: português
Editora: Galera Record