"Bandoleiro, passageiro
Meu caminho é um caminhar
Beduíno, severino
Yo só quero passar"
Há um ano que estou longe do Brasil e que fiz dos Estados Unidos a minha nova casa. Não tem arroz e feijão todo dia, mas se bobear tem pizza de pepperoni quase toda semana. Não tem “de rocha”, “égua não” e “hum, tá cheiroso”, mas tem “really”, “can't believe this shit” e “give me a break”. Não tem ninguém cantando “pei pei pei” depois do “são amores que matam”, mas tem geral dançando quando começa a tocar “down, down, do your dance, do your dance”. Não tem lambada com guitarrada, mas tem as guitarras acústicas do bluegrass. Não tem x-tudo com salsicha, carne de hambúrguer e ovo, mas tem hot dog com mostarda e picles. Não tem litrão, mas tem “growler”. Não tem dois beijos na bochecha, mas tem aperto de mão. Não tem apenas o calor da porra, mas tem também o frio do caralho. Não tem ketchup na pizza, mas têm ranch e blue cheese. Não tem Baré, mas tem Dr Pepper. Não tem dia do trabalhador em maio, mas tem Labor Day em setembro. Não tem abacatada para comer com bolacha Cream Cracker, mas tem abacate com cebola e pimenta para comer com nachos. Não tem gambiarra, tem “quick fix”. Não dá para parcelar as compras em 12x sem juros com pagamento começando só no ano que vem, mas dá para passar o valor integral das compras no cartão de crédito e depois ir pagando metade da fatura de mês em mês, o que é quase a mesma coisa. Não tem “Ferreira”, mas tem “Smith”. Não tem farinha baguda da boa e, infelizmente, ainda não tive sucesso em encontrar nada que substitua a mesma.
Não importa o número de vezes que você tenha reclamado do Brasil, a sua casa sempre será a sua casa. É mais ou menos igual a relação entre uma criança e a sua mãe. Não importa se às vezes ela é “chata” ou “inconveniente”, a sua mãe sempre será a sua mãe e você sempre irá amá-la. Quando longe dela, você fica com o amor, uma dose extra de saudade e a expectativa de visitá-la o mais breve possível. Em outubro do ano passado, uma banda passou pela cidade de Billings, MT, onde moro, a Banda Maracujá, cantando Chico Buarque, Gilberto Gil, Pixinguinha, Clara Nunes, Novos Baianos e outros sucessos brasileiros. Na época, eu já enxergava a música como calmante, como energético e como gatilho para a saudade, mas foi longe de casa, ouvindo músicas que me traziam para mais perto da “mãe gentil”, que pela primeira vez vi a música funcionar como um abraço, sensação tão única que talvez apenas um imigrante brasileiro compreenda, talvez não.
Não sei de nada, afinal, mas no meio tempo, fico por essas bandas de cá, ensinando palavrões em português para os amigos americanos, fazendo arroz empapado, comendo feijão enlatado, fingindo que entendo os menus dos restaurantes, traduzindo expressões brasileiras como “que amigo da onça” para “what a jaguar’s friend”, abraçando as pessoas por impulso para depois ficar receoso achando que fui invasivo, comendo sanduíche no intervalo para almoço do trabalho enquanto penso num PF (prato feito), sendo elogiado por dançar bem quando tudo o que faço é mexer a raba, comprando azeite de dendê e Guaraná Antarctica na Amazon.com, pagando $50 (R$157) por Viva o Povo Brasileiro do João Ubaldo Ribeiro, compreendendo cada vez mais o ufanismo da primeira geração romântica da literatura brasileira, ligando para a minha mãe quase todos os dias, explicando que o Brasil não é só o Rio de Janeiro, sonhando com restaurantes de comida a quilo, criando coragem para fazer coxinha de frango, perguntando para os garçons quais são as opções de sucos e recebendo como resposta um “none” (nenhum), empurrando carro atolado na neve, carregando comigo uma bagagem cultural que fascina alguns e acautela outros, mas acima de tudo, fazendo o melhor das oportunidades que vão aparecendo no meu caminho.